Gravação a partir das pesquisas que compuseram a obra de Jorge Menna Barreto. Aborda questões como o equilíbrio das espécies, a cor da terra, a lógica de funcionamento da SAF, compartilhamento e troca de conhecimentos.
A: A SAF é um corpo, né? É muito diferente… O lugar é diferente, as pessoas são diferentes, o manejo é diferente… A história do lugar é diferente. Então vai ser impossível ter duas histórias próximas, porque é muito particular o ambiente de cada um.
B: Agora é época de se preparar de novo. Passando o período do frio, a partir de setembro já. Revezar a área, onde planta mandioca não planta mais. Revezar também para fazer rotação de cultura. E a ideia de aproveitar a área toda também para o plantio. Agora estamos em um processo, já colhemos várias coisas, estamos em um processo de terminar de colher, a batata e a mandioca.
C: Mas vocês vão reincidir neste mesmo espaço? Vão retrabalhar ele mesmo ou outro? B: Não a gente vai retrabalhar este mesmo.
C: Entendi.
B: O SAF vai durar para sempre. Para sempre não, que uma hora vai acabar, mas enquanto tiver durabilidade. A gente tem muito dó de podar as árvores. Ver elas crescerem e depois podar. Então é muito difícil… a gente já visitou várias áreas que tem plantadas SAFs… O Daniel já [inaudível] as podas mais drásticas da copa da floresta, e a gente tá num período que não pode fazer a poda ainda. Ainda não está no período. É uma troca de conhecimento, a gente vai fazendo intercâmbio com outros, visitando lugares que tem experiência de SAFs… É uma troca. Você vai aprender, vai ensinar. Então é esse conhecimento mútuo que o trabalhador e o camponês têm. Que vai adquirindo… Ou porque leu, ou porque observou, ou porque fez… Eu acho que fazer, refazer, fazer, refazer, observar, refazer é o melhor jeito de você aprender.
D: [...] Um plantar muito denso, para você ter algum dia a chance de ser um participante dessa natureza… As espécies tão aí para você ter este privilégio de escolher. Deixando, equilibrando as espécies. Esta palmeira, que a gente podou lá, você vai ver que tem várias delas lá. Essa coisa de plantar denso. A própria teca, que é esta linha aqui, tem várias tecas. Lógico que não vão ficar todas, daqui a um ano a gente já vai ralear mais elas ainda. Então […] já vai ficar mais longe, daqui a um ano, mais longe ainda elas vão ficando. Elas vão crescendo. Cresce aqui, e a copa vai crescendo. Então você vai deixando elas longe. Por quê? Para a luz continuar entrando. Este trabalho de densidade de plantio é importante para quando você estiver neste processo de manter a luz entrando e tentar acertar os andares. Você está jogando a matéria orgânica que é quem vai dar comida para o sistema como um todo. Aqui não vem nada lá de fora. Não vem esterco, não vem nada, só tudo gerado daqui. Todo o plantio. A poda, quem que fica, o raleamento: é o que vai gerar alimento para esta vida. Quando a gente começa a ver o solo já ficando pelado, a gente já fica: “Poxa, será que é possível criar um sistema em que sempre vai ter solo coberto? Quem que vai fornecer essa matéria orgânica? Será que o café tem que ser mais denso ainda aqui em baixo para a gente cobrir mais o solo? Pode ser isso também… Este aqui está com três metros, o café está com dois. Ele fica mais pertinho do solo. Ter menos ação do solo, da chuva…”. Então, tudo isso são coisas que a gente vai vendo, observando o que que está faltando. E observando estes seres trabalhando.
C: Olha a quantidade aqui de biomassa… Matéria.
E: Tem que ter muita biomassa, cobertura.
F: Como foi a história desta área aqui, Agnaldo?
E: No começo?
F: No começo, como que você começou?
E: Esta área era uma estrada de caminhão.
C: Ah, é?
E: Era quase impossível… Se batesse a enxada, ela pulava para cima… Era impossível você fazer isso aqui com a ferramenta. Já criou porosidade no solo. Olha como já entra. O que já tem de batida nesse aqui, não precisa ir com muita força. Olha quantas raizinhas vivas? E aqui, olha, não tem captação…
F: Agnaldo falava assim: “Se este tal de SAF funciona, tem que funcionar na minha pior área”. Não é?
E: É, ué?
F: [risos]
C: Ah, esta aqui foi a pior área?
E: Pior área.
F: Esta aqui foi um resto de estrada, muito compactado pelo trânsito de caminhão.
C: Caramba!
E: Olha… E outra, hoje eu não estou com a ferramenta, eu estou com a mão, olha.
F: Que foi onde ele começou tudo.
E: Viu? Isso era impossível você fazer aqui. Agora [dá] com a mão!
C: E a cor da terra bonita. E não tem compactação. Quase um palmo…
C: E a cor da terra, que bonita também. Não é, Agnaldo?
E: É terra pó de café. Tem uma que ficou ali na frente. Você coloca em um saquinho e você não faz diferença… Daquele canto lá, onde estão as árvores lá, as maiores… Dois saquinhos: pó de café e a terra lá… A mesma cor. Terra de índio.
C: Terra preta de índio.
E: É…
E: Essa parte aqui agora eu vou deixar ela bem. Vou manter fechada, com esta cobertura aqui. É que a prioridade dos caras às vezes é só aquela rua. Só que esta área aqui vai ficar toda morta se […] Não vai ter nenhum tipo de cobertura. Vai, enriquece uma parte empobrece a outra. Depois deixa só este meiozinho aqui. Aqui vai ficar uma maravilha. Apenas compactou mais o solo aqui. Aqui não; aqui você pode andar por cima. Tem muito para você pisar aqui. Não tinha compactado ainda.
C: E qual é o plano para esta aqui no futuro?
E: É sempre tender ao máximo. Eu, no meu caso, eu não compro nada de fora para jogar no solo, na terra. Eu uso aquilo que a terra produz a favor dela. Entendeu? E ao meu favor também.
C: Claro.
C: Não é uma fala construída pelo intelecto. É uma fala que pulsa. Tem uma fala que vem do corpo ali, da emoção.
Autoria / Authorship:
Jorge Menna Barreto, Marcelo Wasem
Decupagem, criação e edição / Decoupage, creating and editing:
Izabel Süssekind, Marcelo Wasem, Mariana Brum, Nathan Braga, Thatiana Montenegro, Vitor Rocha, Yago Toscano
* Os áudios do Campo Sonoro foram transcritos e/ou editados visando uma leitura mais acessível / All Soundfield's audios were transcribed and/or edited aiming to produce accessible contents