Antonio Malta Campos comenta sobre a prática cotidiana do desenho na obra de José Antonio Suárez Londoño.
Antonio Malta Campos comments on the daily practice of drawing in José Antonio Suárez Londoño's work.
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Nulla dies sine linea. Essa é uma frase em latim que quer dizer “nenhum dia sem uma linha”. A frase está no livro Historia Natural, de Plinio, o Velho, autor clássico, do inicio do Império Romano. Plinio atribui a frase a Apelles, pintor grego do século 4 antes de Cristo. Apelles se exercitava no desenho todos os dias - daí o dito: “nenhum dia sem uma linha”. Tenho certeza que José Antonio Suárez Londoño conhece essa estória. O artista colombiano é conhecido por suas séries de desenhos, feitos em cadernos, uma folha por dia. Esses cadernos abrangem o período de um ano, cada um. No entanto, os desenhos de JASL não são representações figurativas no sentido clássico. A menção a Apeles, que faço aqui, talvez seja uma pista falsa. JASL, na minha opinião, é um artista mais próximo da ideia de “imaginação”. Seus desenhos são livres, imaginativos e enigmáticos. Mas porque se dedicar tanto à imaginação? Porque essa obsessão diária em desenhar, figurar e imaginar seres, formas e figuras? Leio, nos textos de críticos e curadores que falam de JASL, duas informações interessantes. Uma é que o artista lê pelo menos um livro por ano, e as estórias desses livros muitas vezes encontram correspondência nos seus desenhos. Outra informação interessante é que o artista não possui um computador e não é ligado em internet. Pois bem. Será que isso mostra que JASL é avesso ao mundo? Será que sua imaginação é descompromissada da realidade? Sendo eu próprio um artista, acho que não é bem assim. Desconfio que JASL é sensível ao mundo que o rodeia. Mas sendo um artista criador, ele não aceita receber a imaginação do mundo, pronta, na tela de um computador. O que ele faz, com seus desenhos, é retomar a página em branco. O mundo é assim imaginado a partir de seu traço, no papel. Esse mesmo mundo, assim imaginado, recupera seu caráter de criação, de nascimento, de vida. Schiller, o poeta alemão, acreditava na arte como caminho para o homem moderno recuperar a sua humanidade perdida. Ao propor essa tese, Schiller estava pensando em Kant e no “livre jogo das faculdades humanas”. Esse livre jogo desinteressado, não condicionado por nada, a não ser a liberdade criativa da imaginação, é o jogo que José Antonio Suaréz Londoño joga todos os dias, a partir de uma página em branco.
English Version
Nulla dies sine linea. This is a Latin phrase that means “no day without a line.” The sentence is in the book Natural History by Pliny the Elder, a classic author from the early Roman Empire. Pliny attributed the quote to Apelles, a Greek painter from the 4th Century BC. Apelles practiced drawing every day, hence the saying “no day without a line.” I am certain that José António Suárez Londoño is familiar with this story. The Colombian artist is known for his series of drawings, made in notebooks, one sheet a day. Each one of these notebooks encompasses a period of one year. However, JASL’s drawings are not figurative representations in the classic sense. My having mentioned Apelles here is perhaps a false lead. JASL, in my opinion, is an artist much closer to the idea of ‘imagination.’ His drawings are free, imaginative and enigmatic. But why dedicate oneself so to imagination? Why this daily obsession with drawing, shaping and imagining beings, forms and figures? There are two interesting pieces of information I read in the texts of critics and curators who discuss JASL. One is that the artist reads at least one book per year, and there is often correspondence in his drawings with the stories in these books. Another interesting fact is that the artist does not have a computer or an Internet connection. Well, does that mean that JASL is averse to the world? Could his imagination be uncommitted to reality? Being an artist myself, I don’t think this is really the case. I suspect that JASL is sensitive to the world around him. But as a creative artist, he refuses to be handed the world’s imagination ready-made on a computer screen. What he does with his drawings is go back to the blank page. The world is thus imagined beginning with the line he draws on the paper. This same world, imagined as such, recovers its character of creation, of birth, of life. The German poet Schiller believed in art as a path for modern man to recover his lost humanity. In proposing this theory, Schiller was thinking of Kant and of the ‘free play of human faculties.’ This selfless free play, unconditioned by anything except the creative freedom of the imagination, is the play that José Antonio Suárez Londoño plays every day starting with a blank sheet of paper.
Autoria e narração / Authorship and narration:
Antonio Malta Campos
* Os áudios do Campo Sonoro foram transcritos e/ou editados visando uma leitura mais acessível / All Soundfield's audios were transcribed and/or edited aiming to produce accessible contents