Bárbara Wagner comenta sua experiência de pesquisa sobre o lugar da fotografia entre o documental e o artístico com a orientação de Hito Steyerl.
Bárbara Wagner comments on her research experience about the place of photography between documental and artistic under the advisorship of Hito Steyerl.
#32bienal #camposonoro #artistasobreartista
Hito Steyerl é meio japonesa, meio alemã. Ela mora em Berlim e se divide entre as atividades de pensar, escrever, ensinar e fazer filmes. Tive a sorte de ser orientada por Hito Steyerl em minha tese de mestrado sobre o lugar da fotografia entre o documental e a arte. Já em nossas primeiras conversas, foi ela quem me ajudou a entender que não era preciso deixar de ser jornalista para trabalhar como artista. Ao contrário, ela me dizia, a prática do jornalismo era exatamente a coisa mais preciosa que eu tinha. Hito está inscrita num campo que não é fácil definir, que vem sido chamado por alguns de documentary mode, ou modo documental. Ela é parte de uma geração de artistas que faz uso dos mais diversos modos do documentário para discutir conflitos sociais, e os efeitos da política e da economia em tudo aquilo que entendemos como cultura. Nesse movimento, a fotografia documental tradicional e o próprio cinema estão no centro de uma tendência à contaminação com as linguagens do vídeo, da performance, da arte conceitual, das estratégias discursivas e também das redes sociais. As obras de Hito vão além de uma busca estética pela desconstrução metodológica do gênero documentário, ou de uma procura formal pela ambiguidade entre “fato” e “ficção”, ou mesmo da urgência ética em se distinguir o “verdadeiro” do “falso”. Sua prática percorre os caminhos da dúvida numa espécie de flânerie intelectual que não enxerga diferença entre as instâncias do “documental” e do “ficcional” uma vez que ambas são igualmente questionáveis em sua credibilidade. Com crítica e humor, ela joga com a ideia de que a imagem deve ser tratada como “coisa” cujo corpo e vontade são capazes de se insubordinar à condição de mera amostra da aparência física de uma dada realidade. Formalmente ela lança mão de todas e quaisquer tecnologias do presente, dos memes aos virais do YouTube, da animação em 3D à estética forense. Seus ensaios e filmes parecem estar engrenados numa máquina de pensamento sobre as contradições do mundo, como uma espécie de materialismo histórico do nosso entorno enquanto olhamos para ele. Isso não acontece sem que ela faça escolhas rigorosas dos displays e das instalações para cada uma de suas obras. Na instalação de Hell Yeah We Fuck Die Hito tira o título do trabalho das cinco palavras mais populares de canções cantadas em inglês nos últimos dez anos. Inscritos no espaço da mostra como volumes de concreto e luz, elas dão conta de uma “década de torturas, guerras por procuração e austeridade”, nas palavras da artista. Formalmente a instalação parece um módulo de treinamento de parkour, com barras metálicas que sustentam telas planas em que vídeos de robôs criados para salvar pessoas em zonas de conflito são empurrados e chutados em laboratório para testes de estabilidade e resiliência. Do lado de fora, em toda a extensão do Parque Ibirapuera, nuvens de gente portam celulares e se movimentam lentamente em busca de Pokémons.
English version
Hito Steyerl is half Japanese, half German. She lives in Berlin and divides her time between the activities of thinking, writing, teaching, and filmmaking. I was lucky to have been advised by Hito Steyerl during my master's thesis on the place of photography between documentation and art. During our first talks, she was the one who helped me understand that it was not necessary to give up as a journalist in order to work as an artist. On the contrary, she told me the journalistic practice was precisely the most precious thing I had. Hito is inscribed in a field that is not easily definable, that has been referred to by some as documentary mode. She is part of a generation of artists that makes use of the most diverse means of documentation in order to discuss social conflicts and the effects of politics and economics in everything that we have come to understand as culture. In this movement, traditional documentary photography and cinema itself are at the center of a tendency towards contamination with the languages of video, performance, conceptual art, discursive strategies, as well as social networks. Hito's works go beyond an aesthetic search for the methodological deconstruction of the documentary genre, or of a formal search for the ambiguity between ‘fact’ and ‘fiction‘, or even of the ethic urgency of distinguishing what is ‘true’ from what is ‘false’. Her practice takes the path of doubt in a kind of intellectual flânerie which does not detect the difference between the instances of the ‘documentary’ and the ‘fictional’, since both are equally questionable in their credibility. With criticism and humor, she plays with the idea in which the image should be treated as a ‘thing’ whose body and will are capable of becoming insubordinate to the condition of mere sample of the physical appearance of a given reality. She formally makes use of any and all present technologies, from memes to virals on YouTube, from 3D animation to forensic aesthetic. Her studies and films seem to be engaged in a thought machine on the contradictions of the world, in a kind of historical materialism of our surroundings while we gaze it. This does not occur without her making rigorous choices for the displays and installations of each one of her works. In the installation Hell Yeah We Fuck Die Hito gets the title of her work from the top five words used in the English-language songs of the last decade. Inscribed in the exhibition space as volumes of concrete and light, they give an account of a ‘decade of torture, proxy wars and austerity,’ in the words of the artist. Formally, the installation resembles a parkour training module, with metal bars that support flat screens showing videos in which robots, created to save people in conflict zones, are pushed and kicked in the laboratory for stability and resilience tests. Outside, throughout Ibirapuera Park, crowds of people carry mobile phones and move slowly in search of Pokemons.
Autoria e narração / Authorship and narration:
Bárbara Wagner
* Os áudios do Campo Sonoro foram transcritos e/ou editados visando uma leitura mais acessível / All Soundfield's audios were transcribed and/or edited aiming to produce accessible contents