Cristiano Lenhardt faz uma leitura poética da produção de Wlademir Dias-Pino, a partir de sua própria obra.
Cristiano Lenhardt's poetic reading of Wlademir Dias-Pino's production, from the perspective of his own work.
#32bienal #camposonoro #artistasobreartista
Apartando-se de uma aparência e distância afincada, é por um tanto de traço que se agrupam as marcações de chuva, que se apontam as cavas para o leito, que se dispõe em pedras lisas e lajedos alvos os sedosos filamentos de um corpo acesso. Esse corpo que é passagem, que é máquina, que é para ser operado com benevolência e graça, é peça de marcação pontada as beiras abertas e ao revés de palco, para poder, em sitio ignóbil, levantar a crista e por-se a toda proa embicando como lança contracega, como faca de gume goma, de lances claros como o brilho do asfalto que é marca no lombo tostado. Chegamos num ponto platinado, numa chapa, numa escaldante chapada, essa descreve com pouco mais afinco esse corpo tolerante e imenso que tem como culme uma reta, um vinco permanente. Terreno que vento lambe, que chuva cria, e em especialmente se mira teto sem fim. É nesse campo de manobras lunares que uma parcela da máquina se perde em comandos maiores ou maiores que sua capacidade de saber exatidões, e parte para sempre andar ao negrume lastro da inexistência absolta, parte com pernas elásticas e delgadas como um assobio ao ouvido de um cão. De todas as maneiras de se descrever este nada, as palavras imagéticas ainda conseguem preencher o vazio que aos poucos põe-se mudo, e sem luz alguma. Parassonido em vez de voz distanciado pela mente. O homem queria deixar de ser mente, queria ser corpo de gato de lagarto, ser composto polivalente, para assobiar, estribilhar nos ouvidos, para desmanchar nas cadenas, para hastear as chancelas, esquadriar as ventanas no alumiar das barbas crespas, germinando piolhos em fendas abertas a fio de cheiro. Uma nuvem preta azulada chega a ser minha, chega a ser a maior coisa que eu tenho. Eu por ela chego a ser grandeza, chego a ser sopa, chego a ser sal. Agora azulou de novo e eu me percebo solto descontrolado, gotejante em estado de bruto verbo, pavor manso deita o cabelo e estende a farpa. Raios inclinados repetem a direção da mão e ela assume por completo a figuração e fala por movimentos o quanto de amor pretende dar.
English version
Parting from a persistent appearance and distance, it’s with somewhat of a stroke that the markings of rain are grouped together, that the furrows point to the streambed, that the silky filaments of an accessed body are lain on smooth rocks and white slabs of stone. This body that’s a passage, that’s a machine, that’s meant to be operated with benevolence and grace, is a defensive forward pointing to the open wings and the opposite of a stage, in order to be able, in an ignoble place, to puff up its chest and move boldly forward stumbling like a counterblind spear, like a bland-blade knife, of plays clear like the shine of asphalt that is a mark on burned backs. We get to a platinum point, on a sheet, on a scalding hot plain. This describes, with little more diligence, this tolerant and immense body that has a straight stretch, a permanent crease, as its summit. Terrain that winds lick, that rains create, and that especially is looked on like endless ceiling. It is in this field of moonish maneuvers that a portion of the machine is lost in higher commands, or commands greater than its capacity to know exactitudes, and goes off to forever wander in the murky ballast of absolved non-existence, goes off with thin rubber legs like a whistle in a dog’s ear. Of all the ways to describe this nothingness, image-evoking words are still able to fill in the emptiness that gradually grows mute and utterly lightless. Pararesounding, in vice of voice, pushed far away by the mind. The man wanted to stop being a mind, he wanted to be a lizard’s or a cat’s body, to be multi-use composite, to whistle, to be refrain stuck in one’s head, to dissolve into knots, to hoist the letters of approval, square out the windows in the illuminating of the curly beards, germinating lice in gaps opened by lines of smell. A bluish black cloud goes so far as to be mine, goes so far as to be the biggest thing I have. And through it I go so far as to be grandeur, I go so far as to be soup, I go so far as to be salt. Now it’s blued up again and I find myself uncontrollably loose, dripping in a state of raw language, soft fear lays down its hair and lays out the barb. Slanted rays repeat the direction of the hand and it completely takes on the configuration and says through movements how much love it intends to give.
Autoria e narração / Authorship and narration:
Cristiano Lenhardt
* Os áudios do Campo Sonoro foram transcritos e/ou editados visando uma leitura mais acessível / All Soundfield's audios were transcribed and/or edited aiming to produce accessible contents