Dalton Paula faz uma leitura pessoal sobre a pintura intitulada Lágrimas da Africa, de Mmakgabo Helen Sebidi.
Dalton Paula' s personal reading of the painting entitled Tears of Africa, by Mmakgabo Helen Sebidi.
#32bienal #camposonoro #artistasobreartista
Primeiramente, para falar do trabalho de Helen Sebidi, eu peço a bênção por se tratar de uma mulher negra artista sul-africana de 73 anos. Diante do trabalho Lágrimas de África, eu vejo um conglomerado de personagens, de figuras muito próximas. Tem uma intensidade, uma carga de luz em alguns, num primeiro plano, e muitos, em um segundo plano, têm uma carga de carvão preta, de algo que não se vê por completo. Isso que está mais visível e o que está menos visível remete a um segredo e de certa forma um sagrado. Olhos fechados que me trazem um desejo de um pedido de algo que não está nesse plano do trabalho, mas sim num plano sagrado, de uma espiritualidade. Vejo também outros personagens com olhos abertos, mas uma sensação de um olhar confuso, um olhar para o vazio. Outros vestidos e ao mesmo tempo desnudos. Um peito feminino, por exemplo. Essa nudez me traz um corpo desprotegido, um corpo vulnerável diante dessa relação próxima e tensionada. O trabalho tem uma carga de linha que me traz o corte, a cisão, cicatrizes de uma memória. As linhas estão organizadas de tal forma que me traz também uma tridimensionalidade do objeto, da escultura, algo multifacetado, onde temos acesso de vários ângulos. Há personagens, artista-personagem, com duas faces, uma de perfil e outra frontal. Um indivíduo só, mas, num segundo olhar mais atento, me remete a uma fusão frágil, de uma liga não resistente que a qualquer momento pode se romper, se separar. O branco e o preto no trabalho me trazem muito a discussão dessas relações entre o branco e o negro, até por se tratar de uma artista sul-africana, de como essas relações se dão, essas relações raciais. Outra coisa que me chama muito a atenção foi uma expressão animalesca de personagens, do grotesco de uma ferocidade de dentes, bocas abertas, agressões e expressões que são muito fortes e geram um certo pânico. Tudo isso me traz uma sensação, um desconforto diante do trabalho. Me leva para um lugar que traz as piores mazelas do ser humano.
English version
First of all, to talk about Helen Sebidi’s work, I’ll ask for a blessing, as she is a 73-year-old black South African woman artist. Standing before her work Tears of Africa, I see a conglomerate of closely packed characters and figures. There is an intensity, some of them, in the foreground, seem charged with light, while many, farther back, are heavy with charcoal, with something that cannot be completely seen. This that is more visible and that which is less visible harken to something secret and, in a certain manner, something sacred – closed eyes that transmit a wish for something that is not on this plane of the work, but rather on a sacred plane, one of spirituality. I also see other characters with their eyes open, but the feeling of a confused gaze, a gaze towards emptiness. Others are dressed and at the same time uncovered. A woman’s breast, for example. This nudity evokes an unprotected body, a body vulnerable in the face of this close and tension-filled relationship. The work has a weight of lines that to me evokes a cutting, a splitting, scars of a memory. The lines are organized in such a way that they also evoke a three-dimensionality of an object, of sculpture, something multi-faceted in which we have access to various different angles. There are characters, the artist-character, with two angles, one a profile and the other head-on. A single individual, but, at a second, more careful glance, I am reminded of a fragile fusion, of a tenuous bind that can shatter and break away at any moment. The white and the black in the work to me very much evoke the discussion of these relations between whites and blacks, particularly given that she is a South African artist, of how these relations play out, these racial relations. Another thing that really grabs my attention is a certain animal-like expression on the figures’ faces, of a grotesqueness of the ferocity of teeth, open mouths, aggressiveness and expressions that are very strong and generate a certain panic. All of this brings me a sensation, a discomfort when regarding this work. It takes me to a place that evokes humankind’s worst evils.
Autoria e narração / Authorship and narration:
Dalton Paula
* Os áudios do Campo Sonoro foram transcritos e/ou editados visando uma leitura mais acessível / All Soundfield's audios were transcribed and/or edited aiming to produce accessible contents