41 • OPAVIVARÁ! Entrevista com Bispo • Interview with Bispo

OPAVIVARÁ! entrevista Sérgio da Silva Bispo, membro de uma cooperativa de catadores de resíduos instalada sob o Viaduto do Glicério em São Paulo.

OPAVIVARÁ! interviews Sérgio da Silva Bispo, membro of the trash collectors cooperative, located under the Glicério viaduct in São Paulo.

#32bienal #camposonoro #narrativa

E aí numa discussão na cooperativa, [lugar em] que a gente acaba usando muito a coisa do sistema do capital e a gente tinha que criar outras formas de poder construir e questionar e construir tudo certo, de outra maneira. Questionar é legal porque de vários questionamentos você constrói coisas. As palavras básicas: maioria, consenso. Eu: tá, porra, isso é foda, né? O consenso, a maioria. Café Pilão, Café Moka, qual é o melhor? A maioria decide que é o Moka. Porra, mas é uma merda, eu gosto do Pilão! Mas a maioria decidiu, o consenso. E aí o consenso, que é o discurso do capital. Consenso. E aí a gente pode copiar algumas coisas, juntando algumas coisas que já temos aí. Não adianta também querermos criar a roda. Vamos catar umas rodas que já estão feitas e vamos tentar melhorar elas. Esse eu acho que é um caminho pra gente começar a discutir isso. Lixo não existe. Porquê lixo não existe? Porque a partir do momento que você... Você consegue transformar tudo. Se você pegou o orgânico, você faz compostagem. Se você pega um móvel quebrado você consegue reaproveitar, não precisa ir nas Casas Bahia ou na Marabraz. Ou ver o que a televisão fala que você tem que comprar. Porque a mídia mostra que você tem que ser consumista aceleradamente, consumista esteticamente e aí você pode criar outras maneiras. Então, por isso que eu disse, você acaba transformando. Aí outro dia meu filho foi pra escola e mostrou um tal de Bandeirantes. Bravura, descobriu São Paulo. Falei: “puta!” aí quase que eu falei “porra, bicho, isso é tudo mentira, o cara é um filha da puta!”. Caralho, minha cabeça começa a confundir, caralho. Tá escrito no livro, porque o livro diz que é o livro da verdade, que é o livro preto da universidade, aquele livro bonito, mas é só teoria. Na prática o que vocês estão fazendo aqui, alguns devem ter ido para a universidade, legal. Eu não vou porque se eu fosse os caras me expulsavam no meio, porque eu ia questionar pra caralho. Aí né, puta, então você vai entender. Então por isso que a gente tem que criar, pegar o que tem lá. Porque a teoria é importante, acho que com a teoria e a prática e a tecnologia a gente consegue avançar, porque isso é importante, a tecnologia. Porque isso aqui que a gente tá falando, isso aí todo mundo vai escutar um dia. Então é por isso que a tecnologia é importante. Mas uma tecnologia que fale a verdade, não uma tecnologia que só inventa, porque tem muita tecnologia que inventa, né? Nós, os catadores, não somos invisíveis pela sociedade. Ao contrário. A sociedade que acha que nós somos invisíveis. Ela passa do nosso lado, vê nós e acha que a gente não existe. Nós que existimos, eles que acham que não existe, porque eles estão passando do lado, eles imaginam que a gente não existe. Então não tem... É ao contrário essa, como se fala? Esse paradigma, que os caras falam aí e tal, essas tendências. A gente sabe que a solução do sistema capitalista é essa: exploração, ganhar e tal. Esse grupo também faz parte do sistema porque ele acaba querendo ter o que o capital tem. E pra você ter o que o capital tem você não precisa foder o meio ambiente, você não precisa prejudicar a vida das pessoas, não precisa enganar. Você pode criar junto com as outras pessoas. Amsterdam, Copenhague, Dinamarca, França, Chile, cinema, ganhou prêmio, fui falar em festival e o caralho, Bispo Catador. E aí chegamos no bagulho lá, desço do avião, umas meninas bonitas, e os meninos também, com meu nome, um bagulho louco! Tô lá no outro país o cara tem meu nome. Caralho, como ele sabia o meu nome? Porque é o bagulho da... tem que saber esse bagulho aí, um bagulho meio louco o sistema, até você entender ele. Agora estou entendendo ele um pouco mas a cada dia eu vou entendendo ele e a gente tem que criar formas para mudar ele, que ele confunde as pessoas. A Igreja da Paz tem uma história daquelas. O Glicério, em 1989 foi que eu cheguei aqui. Mas eu comecei a ler a história do Glicério comecei a historiar os bagulhos, né. E aí eu cato, eu aprendi a catar conhecimento, catar história, catar amigos, catar tudo, né? Eu sou catador mas eu gosto de catar tudo. Coisas legais, né. Mas também às vezes a gente acha coisas que que não são legais, né, e acaba catando. Porquê o Bispo é catador? Porque ele quer? Porra Bispo, tá no sangue ser catador? Porra, camarada, tá no sangue do seu filho ser o dono da Suzano, caralho? Um diretor, capitalista, tá no sangue? O cara tem que ser o que quer. Um quilo de latinha valia um pedaço de carne seca e tal. Mas às vezes meu pai e minha mãe não conseguiam produzir nada. Minha mãe, com a sua sabedoria, não tava no sangue dela também não, ela catava aquela sobra de peixe e de carne e fazia um retempero. Puta, e ficava gostoso pra caralho. Nós comíamos bem pra caralho. Uma porrada de irmão, eu nem sei quantos irmãos. Sei que era uma porrada de criança, acho que eram todos meus irmãos. Porque quando eu estiver com cem anos, eu quero chegar aos cem anos, tomara, peço à grande força do universo, porque eu tô protegendo o planeta, então o universo vai ter que ser generoso comigo, como eu tô sendo generoso com ele agora [risos]. Eu tô cuidando dele, nós estamos cuidando. Por isso que eu tô cuidando bem dele, pra chegar aos cem anos. Eu aprendi a fazer uma assinatura. Meu filho me ensinou. Até hoje eu faço ela, porque é a mais fácil. É SSB e faço um risco no meio. Foda-se! [risos] A minha maior felicidade foi isso e meus amigos. Esse é mais importante. E na vida o que é mais importante é isso: são os amigos e o conhecimento. Os caras não te tiram essa porra nunca. E presidente de cooperativa, secretário, não tem nada a ver. Ser presidente e tal me ajudou a ter o conhecimento. É isso, o bagulho é louco. Tá vendo, a gente nunca vai finalizar. Nunca vai ter cem por cento, sempre vai ter começo, meio e a eternidade. E a eternidade! Dá merda aquele cara que guarda o conhecimento, conservador, centralizador e só quer ele saber, ter o poder. O poder, ninguém tem o poder, o poder tem que ser de todos. Não é um poder. Tem que ser “todos”. Discutir junto e construir junto. Foda, né? Mas é por isso que a gente tem que criar junto, pra gente estar todos juntos um dia.

English version

And then in a discussion at the cooperative, [pause] ‘cause we end up using the whole system of capital thing a lot and we had to create other ways of being able to build and question and build everything right, in another way. Questioning is cool because from many questions you build things. The basic words: majority, consensus. Me: OK, damn, but that's tough, right? The consensus, the majority. Café Pilão, Café Moka, which one's better? The majority decides that it's Moka. Damn, but it sucks, I like Pilão! But the majority decided, consensus. And then consensus, right, which is the discourse of capital. Consensus. And then we can copy a few things, putting some things together that we already have there. There’s no point in wanting to recreate the wheel. Let’s pick up some wheels that are already made and let’s try to improve them. I think this is a path for us to try to discuss this. Trash doesn’t exist. Why doesn’t trash exist? Because from the moment you… You can transform everything. If you take something organic, you can make compost. If you take a broken piece of furniture you can use it for something else, you don’t need to go to [stores like] Casas Bahia or Marabraz. Or see what the television tells you you need to buy. Because the media shows you that you need to be a consumerist, at an accelerated pace, a consumer aesthetically, so you can create other ways. That’s why I said, you end up transforming. So then the other day my son went to school and then showed some Bandeirantes [portrayed as pioneers in Brazilian history books]. He was courageous, discovered São Paulo. I said: ‘fuck!’ and then I almost said ‘damn, man, that’s all a lie, the guy’s a son of a bitch!’. Fuck, my head starts getting confused, fuck. It’s written in the book, because the book they say that it’s the book of truth, that it’s the black book of the university, that beautiful book, but it’s all theory. Realistically what are you guys doing here, some must have gone to college, cool. I’m not going because if I did those guys would kick me out halfway through, because I would question too much. So then, shit, so you’ll understand. So that’s why we need to create, take what’s there. Because theory is important, I think that with theory and practice and technology we can advance, because that’s important, technology. Because thing we’re talking about, this everyone will hear one day. So that’s why technology is important but a technology that tells the truth, not a technology the only invents, because there’s a lot of technology that invents, right? We, collectors, we’re not invisible by society. On the contrary. Society is the one that thinks that we’re invisible. It passes right by us, sees us and thinks we don’t exist. We’re the ones that exist, they’re the ones that think it doesn’t exist, because they’re passing by, they imagine we don’t exist. So there’s no…It’s the opposite, how do you say it? This paradigm, that people say and stuff, these trends. We know that the solution of the capitalist system is this: exploit, earn, and so on. This group is also part of the system because it ends up wanting to have what capital has. And for you to have what capital has you don’t need to fuck with the environment, you don’t need to harm people’s lives, you don’t need to deceive. You can create with other people. Amsterdam, Copenhagen, Denmark, France, Chile, cinema, won an award, I went to speak at a festival and shit, Bispo ‘Catador’. So then we get to the place there, I get off the airplane, some pretty girls, and boys too, with my name, some crazy shit! I’m all the way in another country and the guy has my name. Fuck, how did he know my name? Because of the… you have to know that thing, the system is a crazy thing, until you understand it. Now I’m understanding it a bit, but each day I understand more and we have to create ways of changing it, ‘cause it confuses people. The Church of Peace has one of those stories. Glicério, in 1989 was when I arrived here but I started reading the story of Glicério, I started to historicize shit, right. And then I collect, I learned to collect knowledge, collect stories, collect friends, collect everything, right? I’m a collector but I like to collect everything. Cool things, right, but sometimes we find things that aren’t cool, right, and end up picking them up too. Why is Bispo a collector? Why does he want to? Damn, Bispo, is collecting trash in your blood? Damn, brother, is it in your son’s fucking blood to be the owner of Suzano – a director, capitalist, is that in the blood? A guy has to be what he wants. One kilo of cans was worth a piece of meat, you know. But, sometimes my father and mother weren’t able to produce anything. My mother, with her wisdom, it wasn’t in her blood either, she’d collect that leftover fish and meat and would reseason it. Damn, and it would be good as fuck. We ate good as fuck. A shit load of siblings, I don’t even know how many. I know it was a shit load of kids, I think they were all my siblings. Because when I’m 100 years old, I want to make it to 100, I hope, I ask that to the great power of the universe, because I’m protecting the planet, so the universe will have to be generous to me, like I’m being generous to it now [laughs]. I’m taking care of it, we’re taking care. That’s why I’m taking good care of it, to reach 100. I learned to do a signature. My son taught me. I still do it to this day because it’s the easiest one. It’s SSB with a line in the middle. Fuck it! [laugh] My greatest joy was this and my friends. This one is more important. And in life what’s most important is this: friends and knowledge. They can’t take that shit from you ever. And president of a cooperative, secretary, has nothing to do with it. Being a president and everything helped me gain knowledge. That’s it, this shit’s crazy. See, we’re never gonna finish! There’ll never be 100%, there’ll always be a start, middle and eternity. And eternity! It goes to shit when there’s that guy that stores away knowledge, a conservative, centralizer, and he wants to be the only one with knowledge, to have the power. The power, no one has the power, the power has to belong to everyone. It’s not a power. It has to be “everyone”. Discuss together and build together. Tough, right? But that’s why we have to create together, so that we can all be together. one day.

Autoria / Authorship:

OPAVIVARÁ!

Narração / Narration:

Sérgio da Silva Bispo

* Os áudios do Campo Sonoro foram transcritos e/ou editados visando uma leitura mais acessível / All Soundfield's audios were transcribed and/or edited aiming to produce accessible contents