55 • Grada Kilomba Plantation Memories • Memórias da Plantação

Staged reading written and directed by Grada Kilomba in the Theater Ballhaus Naunynstrasse, Berlin, 2015, based on her book titled 'Plantation Memories. Episodes of Everyday Racism'.

Leitura cênica escrita e dirigida por Grada Kilomba no Teatro Ballhaus Naunynstrasse, em Berlim, 2015, com base em seu livro intitulado "Memórias da Plantação: Episódios do Racismo Diário".

#32bienal #camposonoro #coletividade
Versão em português

Parte I: Nós estamos a falar de negação…

[Cena 1]
Hoje, eu venho expor
o que foi mantido em silêncio,
como um segredo.
Eu venho expor o racismo
sem remorsos, pena, vergonha, ou culpa.

[Cena 2]
Uma vez tive esta conversa com uma amiga
de infância, sobre pessoas negras,
e contei-lhe como é ser negro aqui,
e que não é fácil para mim ser sempre
a única pessoa negra.
Ela ouviu com atenção, enquanto eu falava
e depois disse:
“Mas, para mim tu não és negra.
Eu não acho que tu és negra.”
E ela disse aquilo de um jeito como se
me estivesse a fazer um favor.

[Cena 3]
“Eu até me esqueço que és negra.”
“Tu não és mesmo negra.”
“Eu não acho que sejas negra.”
“Mas, tu só és metade negra.”
“No Verão sou tão escuro quanto tu.”
“Bem, para mim, tu não és negra.”

Eu diria que estamos a falar de negação.
Este círculo infernal:
quando as pessoas gostam de mim,
dizem que eu não sou negra.
Quando não gostam de mim,
dizem que não é por eu ser negra.
De um jeito ou do outro,
eu fico presa nos seus racismos.

[Cena 4]
Eu e o meu namorado costumávamos ir a cafés
e ter longas, longas conversas.
Nós costumávamos passar muito tempo lá.
Nós tinhamos todo o tipo de conversas,
sobre nada em especial…
Ele era músico de Jazz
e eu lembro-me de um dia ele me dizer
que tipo de anedotas ele e os seus amigos músicos
costumavam contar.
E eu pedi-lhe: “Conta-me uma!”
E ele disse que não podia.
E eu disse: ”Ah, vamos! Conta-me.”
E depois ele explicou-me que sabe uma anedota,
mas não pode mesmo contar e eu insisti:
“Vamos, conta-me, conta-me!”
Ele pegou num pedaço de papel e desenhou um círculo
com dois triângulos lá dentro, e perguntou-me:

[Cena 5]
“O que é isto?”
“Parece um sinal da cruz vermelha, que foi apagado.”
“ Não… são dois membros do Klux Klux Klan
que estão a olhar para baixo, para o homem negro,
que foi jogado no buraco.”

[Cena 6]
Eu comecei a sentir uma dor no meu corpo,
uma dor nas minhas mãos,
e nos meus dedos, doía.
O meu corpo inteiro estava em dor.
Eu também, fui colocada debaixo dos seus pés brancos.

[Cena 7]
Desejo e inveja.
Um músico de Jazz branco
a tocar a música do homem negro,
desejando-o, e ao mesmo tempo assassinando-o,
pois ele próprio não pode ser negro.

[Cena 8]
É um linchamento.
Na sua fantasia, ele está a linchar o homem negro.
Estás consciente do que é um linchamento?
Homens negros batidos até à morte,
ou cortados aos pedaços, subjugados a rituais de castração,
pendurados em árvores como “estranhos frutos”
- como diz a canção.
Pedaços de homens negros,
mãos, línguas, orelhas, testículos,
dedos, pénis, ali…
pendurados em árvores, como frutos.
Estranho, não é? Violentamente estranho.
Eu acho, que este desejo pela morte
do homem negro é na verdade,
um Complexo de Édipo mal resolvido, o que achas?

[Cena 1]
Detesto quando as pessoas tocam no meu cabelo.
Me perguntam de onde eu venho.
Eu nunca senti nada assim no meu corpo.
Nos meus dedos.
Eu expliquei para ela, que eu não gosto.
Ela disse, que a amiga dela Cubana gosta.
Eu cresci a ouvir esta palavra.
Tem que ser algo mau.
Ele desculpou-se imediatamente.
Como é que eu lavo o meu cabelo?
Com água e champô!
Ela suicidou-se.
Eu acho que ela estava muito só.
Eu não pude acreditar.
Ele cheirou o meu cabelo e cantou aquela canção…
Sobre macacos.
Eu tive sempre que ser melhor que todos os outros.
Três vezes.
Quatro.
Negro e inteligente.
Zangada.
Eu não sou agressiva.
Zangada, porque isto é agressivo.
Sim, eu penteio-me.
Eu não quero ser melhor que ninguém.
Imagina, ser a única pessoa negra na família.
Eu não quero ser pior que ninguém.
Eu apercebi-me o quanto eu estava em risco.
Eu tive que ler muito.
Aprender.
Estudar.
Eu li muitos livros.

Parte II: De onde és?

[Cena 2]
As pessoas sempre me perguntaram de onde eu venho,
desde de que eu sou criança.
Elas vêm-te, e a primeira coisa que
lhes passa pela cabeça é conferir:
“De onde é que ela será?”
Elas simplesmente perguntam, sem te conhecerem.
Não interessa onde estás: no autocarro, numa festa,
na rua, num jantar, ou até mesmo no supermercado.
Eu estou sendo perguntada, antes de tudo,
porque sou categorizada como uma ‘raça’
que não pertence (aqui).

E se eu respondo, e digo que sou alemão,
eles olham confusos, param por um momento
a pensar: “Alemão?” ou começam a rir,
como se eu tivesse entendido mal a pergunta
ou dado a resposta errada.
E depois dizem: “Não, não, não!
Mas tu não podes ser Alemão!
Tu não pareces Alemão!”,
apontando para a minha pele.

Uma pessoa é negra ou alemã, não alemã e negra.

Parece que uma pessoa só pode existir
através da imagem alienada de si própria.

A pergunta contém a fantasia colonial
de que alemão significa branco,
e que negro significa Ausländer (estrangeiro).

Eu tenho que adicionar uma outra componente:
‘raça’ e voyeurismo.
As pessoas vêm perguntar de onde eu venho
porque elas têm prazer na exibição do ‘Outro.’
Elas não estão interessadas em escutar
que eu sou de Berlim, mas em vez,
elas querem ouvir uma história exótica,
onde as suas fantasias coloniais sobre
o longínquo ‘Outro’ são revividas.
Eu sou esperada em provocar prazer,
eu sou despida impacientemente,
pergunta atrás de pergunta,
o público branco despe-me
à procura daquele paraíso…
“E os teus pais, de onde vêm?”

Written and Directed by / Escrito e dirigido por:

Grada Kilomba

Narração / Narration:

Martha Fessehatzion, Moses Leo, Michael Edode Ojake, Araba Walton, Sara-Hiruth Zewde

Music / Música:

GEISBABA