A 32ª Bienal de São Paulo - INCERTEZA VIVA se propõe a observar as noções de incerteza e as estratégias oferecidas pela arte contemporânea para abarcá- la ou habitá-la. Enquanto a estabilidade é compreendida como uma cura para a angústia, a incerteza geralmente é evitada ou recusada. As artes, contudo, sempre jogaram com o desconhecido. Historicamente, a arte tem insistido em vocabulários que permitem a ficção e a alteridade, e reage à incapacidade dos meios existentes de descreverem o sistema do qual fazemos parte. A incerteza na arte aponta para a criação, levando em conta a ambiguidade e a contradição. A arte se alimenta do acaso, da improvisação e da especulação. Ela dá espaço ao erro, à dúvida e cria brechas mesmo para as apreensões mais profundas, sem evitá-las ou manipulá-las. A arte se funda na imaginação, e apenas através da imaginação seremos capazes de vislumbrar outras narrativas para o nosso passado e novos caminhos para o futuro.
INCERTEZA VIVA considera as incertezas como um sistema de orientação generativo e se constrói sobre a convicção de que, para enfrentar objetivamente as grandes questões do nosso tempo, como o aquecimento global e seu impacto em nossos habitats, a extinção de espécies e a perda da diversidade biológica e cultural, a crescente instabilidade econômica e política, a injustiça na distribuição dos recursos naturais da Terra, as migrações globais e a assustadora disseminação da xenofobia, é necessário desvincular a incerteza do medo. INCERTEZA VIVA está claramente conectada a noções endêmicas do corpo e da terra, com uma qualidade viral nos organismos e nos ecossistemas. Embora seja geralmente associada à crise, não é o seu equivalente. A incerteza é, sobretudo, uma condição psicológica e afetiva, ligada a processos de tomada de decisão individuais ou coletivos, descrevendo os níveis variáveis de compreensão e dúvida em uma dada situação.
Discutir a incerteza também inclui processos de desaprendizado e exige um entendimento da natureza ilimitada do conhecimento. Descrever o desconhecido sempre implica interrogar aquilo que consideramos conhecido, uma abertura para aprender com sistemas de conhecimento indígenas e locais, e uma valorização dos códigos científicos e simbólicos como complementares, em vez de excludentes. A arte promove uma troca ativa entre pessoas, reconhecendo incertezas como sistemas de orientação generativos e construtivos. A arte se apropria de abordagens transdisciplinares que vêm da pesquisa e da educação. Mas como as inúmeras formas de raciocínio da arte podem ser aplicadas a outros campos da vida pública?
Disposta a rastrear o pensamento cosmológico, as inteligências ambiental e coletiva, e as ecologias sistêmicas e naturais, INCERTEZA VIVA se constrói como um jardim, no qual temas e ideias se entrelaçam livremente em um todo integrado, estruturado em camadas, como uma tentativa de ecologia em si mesma. Não está organizada em capítulos, mas antes baseada em diálogos entre diferentes produções de 81 artistas de 33 países. A exposição olha para uma série de artistas históricos, que fornecem um conjunto de estratégias que talvez sejam agora mais relevantes do que nunca. A maioria dos projetos artísticos, no entanto, foi especialmente comissionada para a 32ª Bienal de São Paulo, não para ilustrar um arcabouço teórico ou temático, mas para desdobrar os princípios criativos da incerteza em diferentes direções. Diversas obras de arte abordam diretamente a natureza e os processos biológicos, botânicos ou alquímicos que podem nos ensinar sobre a diversificação e a multiplicidade. Alguns trabalhos incorporam ou investigam uma infinidade de narrativas e formas de conhecimento. Outros examinam criticamente estruturas políticas, econômicas e midiáticas de poder e de representação. E ainda, há os que acionam a imaginação e experimentam caminhos alternativos para avançarmos. A 32ª Bienal entende a si mesma como permeável e acessível, ativamente participando da contínua construção do Parque Ibirapuera como espaço público, expandindo seu senso de comunidade; a exposição como extensão do parque dentro do pavilhão. E o jardim assim se torna um modelo, tanto metafórica como metodologicamente, promovendo uma diversidade de espaços, favorecendo experiências e ativações junto ao público.
INCERTEZA VIVA é um processo coletivo que se iniciou no início de 2015 e envolveu professores, estudantes, artistas, ativistas, lideranças indígenas, educadores, cientistas e pensadores em São Paulo, no Brasil e além dele. Mas é também um processo coletivo prestes a começar. Assim como a arte naturalmente une o pensar e o fazer, a reflexão e a ação, é apenas através do encontro dos visitantes com as obras, com as muitas performances e com os programas públicos e educacionais da 32ª Bienal ao longo dos próximos meses, que a verdadeira riqueza de INCERTEZA VIVA emergirá. Hoje, é papel da Bienal ser uma plataforma que promova ativamente a diversidade, a liberdade e a experimentação, ao mesmo tempo exercendo o pensamento crítico e propondo outras realidades possíveis.
Jochen Volz, Gabi Ngcobo, Júlia Rebouças, Lars Bang Larsen e Sofía Olascoaga